O que o cirurgião-dentista deve saber sobre a doença celíaca?
A doença celíaca é uma doença auto-imune caracterizada por uma intolerância digestiva ao glúten (proteína encontrada em diversos cereais como o trigo, centeio, aveia, malte e painço e em todos os seus derivados, como as farinhas e farelos) afetando tanto o epitélio quanto a lâmina própria do intestino delgado de indivíduos predispostos geneticamente. Dentre as intolerâncias alimentares descritas é a mais comum, com uma incidência estimada de 1% da população mundial, ainda que a maioria dos portadores permaneçam não diagnosticados apesar dos avanços recentes no diagnóstico desta condição. Além de fatores genéticos alguns fatores ambientais, principalmente a associação entre um período de aleitamento natural diminuído com alta ingestão de alimentos industrializados com alto conteúdo de glúten parecem estar relacionados à esta doença (Green e Jabri, 2006). No Brasil, de acordo com a Lei n0 8.543, de 23 de dezembro de 1992, há a obrigatoriedade de informar no rótulo dos alimentos a presença ou não de glúten.
A grande variabilidade fenotípica é uma característica da doença, sendo a classificação clínica baseada na presença ou não de desordens gastrintestinais (McGough e Cummings, 2005). A forma clássica manifesta-se logo nos primeiros anos de vida com um quadro de diarréia crônica, vômitos, irritabilidade, falta de apetite, déficit de crescimento, distensão abdominal e atrofia da musculatura glútea. Nas formas não clássicas os sintomas gastrintestinais estão ausentes ou não proeminentes, e os pacientes apresentam alguns sinais e sintomas isolados e mais tardiamente, no final da infância, como falta de desenvolvimento, anemia por deficiência de ferro refratária à ferroterapia oral, artralgia ou artrite, constipação intestinal, osteoporose e esterilidade (Sdepanian et al., 1999).
Existem testes sorológicos utilizados para rastreamento de indivíduos potencialmente doentes em populações, porém o diagnóstico definitivo da doença celíaca é realizado através da biópsia do intestino delgado. O tratamento desta condição consiste numa dieta livre de glúten, a qual resulta em remissão dos sinais e sintomas e na normalização da anatomia e função da mucosa intestinal (Wierink et al., 2007).
A doença celíaca pode apresentar diversas manifestações bucais como atraso na erupção dental (Campisi et al., 2007), estomatite aftosa recorrente (Bucci et al., 2006), queilite angular (Lähteenoja et al, 1998) e defeitos do esmalte, tanto na dentição permanente (Smith, 1979; Aine, 1986;Rea et al., 1997; Bucci et al., 2006; Wierink et al., 2007), quanto na decídua (Rea et al., 1997; Bucci et al., 2006; Páez et al., 2008). Além disso alguns estudos (Fulstow, 1979; Aguirre et al., 1997) sugerem uma menor incidência de cárie em celíacos, o que pode ser explicado pela dieta mais controlada destes indivíduos.
Os defeitos na formação de esmalte são, dentre as manifestações bucais, as mais frequentementes associadas à doença celíaca tendo sido primeiramente demonstradas por Smith (1979). Aine (1986) criou uma classificação para esta ocorrência que ainda hoje é seguida, em que defeitos específicos de esmalte devam ser simétricos e cronologicamente detectáveis em todos os quadrantes da dentição permanente, sendo consideradas inespecíficas as manifestações não simétricas ou não detectáveis nos quadrantes. A prevalência de defeitos de esmalte específicos variam de 38% a 96% em crianças com a doença celíaca e de 0,6% a 17% em indivíduos não doentes (Martelossi et al., 1996; Priovolou et al., 2004), apesar desta associação ainda ser controversa por resultados de estudos na Suécia (Andersson-Wenckert et al., 1984; Rasmusson eEriksson, 2001) e na Itália (Procaccini et al., 2007) que não relataram tal associação. As causas dos defeitos de esmalte nos portadores de doença celíaca ainda são desconhecidas. A má-formação do esmalte poderia ser uma consequência da doença celíaca, por causa da hipocalcemia resultante desta doença (Nikiforuk e Frasier, 1981); resultante de predisposição genética (Mariani et al., 1994), ou causado por uma reação autoimune no órgão do esmalte durante a odontogênese (Mäki et al., 1991). A Sociedade Norte-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Infantil inclui os defeitos de esmalte como fatores de risco para a doença celíaca (Hill et al., 2005), sendo a detecção destes problemas importantes para o diagnóstico precoce desta condição.
Portanto, tendo em vista a alta prevalência de pacientes portadores de doença celíaca, a grande quantidade de manifestações bucais encontradas nestes e principalmente o fato de que estas manifestações possam ajudar no diagnóstico precoce de uma grande parte dos pacientes que não possuem os sinais e sintomas gastrintestinais clássicos desta doença, é de fundamental importância que o cirurgião-dentista conheça esta doença e suas manifestações bucais. Pacientes que apresentem defeitos de esmalte, principalmente simétricos, e manifestações como estomatite aftosa recorrente freqüentes, queilite angular e atraso na erupção dental devem ser encaminhados para exames médicos para possível diagnóstico da doença celíaca.
Aqui na APCD Ribeirão é tempo de fazer uma reflexão sobre as conquistas de 2024
Eis que chega dezembro, tempo de comemorar, desejamos a todos um santo natal e boas festas
Mau hálito: livro traz orientações técnicas do especialista
São abordados desde quadros leves que podem ser solucionados em casa, até situações que requerem atenção profissional especializada
Qualidade do sono: 3 dicas para dormir melhor
Isabel Braga é médica, doutora pela Fiocruz, referência em transtornos do sono e autora do livro Noites de Renovação
(16) 3630-0711