Os avanços para diagnóstico e tratamento dos casos de disfunção temporo mandibular
Entrevista exclusiva com o prof. Dr. César Bataglion, mestre e doutor em Reabilitação Oral, especialista e referência em DTM
A disfunção temporomandibular (DTM) é uma condição complexa que envolve o mau funcionamento da articulação temporomandibular (ATM) e estruturas relacionadas, como músculos da mastigação e ligamentos. Afeta uma grande parcela da população, sendo frequentemente associada a dores na mandíbula, dificuldades de movimento, dores de cabeça e até sintomas auditivos. Com o avanço da pesquisa e da especialização, a abordagem das DTMs evoluiu significativamente, beneficiando-se de diagnósticos mais precisos e tratamentos menos invasivos e mais eficazes.
Para falar sobre a DTM, o diagnóstico e as formas de tratamento, abaixo na íntegra entrevista com o prof. Dr. César Bataglion, mestre e doutor em Reabilitação Oral, especialista em DTM, hoje é uma referência na especialidade.
ENTREVISTA
Como surgiu o seu interesse pela Odontologia e a escolha das especialidades?
César Bataglion: Costumo dizer que minha trajetória na Odontologia começou desde criança, pois ainda menino brincava de dentista com as bonecas de minha irmã mais velha que eu 7 anos. Ingressei na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia, e como acadêmico me apaixonei pela Disciplina de Prótese Total onde fui monitor do Prof. Dr. Vanderlei Luiz Gomes a quem muito devo na minha trajetória na Odontologia. Com 2 meses de formado consegui estágio na disciplina de Oclusão da FORP-USP, orientado pelo Prof. Dr. Luiz de Jesus Nunes a quem considero o meu “pai odontológico”. Devo minha carreira universitária a ele – mantemos contato até hoje com a Graça de Deus.
Depois ingressei como Docente na FORP-USP nas áreas da Oclusão e Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial.. Fiz Mestrado e Doutorado em Reabilitação Oral e posteriormente a Livre-Docência. Fui orientador no Programa de Pós-Graduação: Odontologia Restauradora, em nível de Mestrado e Doutorado e participei como responsável por atividades de Extensão Universitária do Depto de Odontologia Restauradora, na Área de Disfunção Temporomandibular. Recentemente me aposentei na FORP e atualmente atuo como professor convidado em Cursos de Atualização e Especialização em diversas faculdades e associações odontológicas sempre ministrando as disciplinas de Oclusão e DTM. Em 1989 fui convidado pelo Prof. Dr. Dioniso Vinha para assumir a disciplina de Prótese Total da Unaerp, e posteriormente a disciplina de Oclusão e DTM onde fiquei 16 anos. Durante todos esses anos ministrei diversos cursos de Aperfeiçoamento nas áreas de Prótese Dentária, Oclusão e Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial, sendo essa última uma grande paixão de minha vida por ser uma especialidade da Odontologia que se faz cada vez mais necessária para atender uma parcela significante da população que cada vez mais procura o atendimento do Cirurgião-Dentista para o alívio de suas dores no sistema mastigatório, face, cabeça e pescoço. Recentemente publiquei o livro Disfunção Temporomandibular na Prática: Diagnóstico e Terapias, pela Editora Manole, com o intuito de contribuir com os colegas clínicos gerais e especialistas de outras áreas que estão se interessando pelo estudo dessas disfunções.
Livro lançado por Dr. César Bataglion
Quais são os sinais precoces de DTM ? Quais os sintomas?
Disfunções Temporomandibulares (DTM) é um termo coletivo que engloba vários problemas que envolvem os músculos mastigatórios, a articulação temporomandibular e estruturas associadas. São consideradas causas principais de dores não dentárias na região orofacial. Tem etiologia multifatorial e os tratamentos são multidisciplinares. O sintoma mais comum é a dor nos músculos da mastigação e nas articulações temporomandibulares. Os pacientes com DTM queixam-se de movimentos mandibulares limitados e ruídos nas articulações temporomandibulares em forma de estalido ou crepitação. Outras queixas incluem dor na mandíbula e/ou maxila, dor na orelha, dor na face e dor de cabeça (cefaleia). As DTM com frequência se apresentam em comorbidade com outras doenças craniofaciais e orofaciais. Os sinais que o clínico pode perceber e que geralmente são as queixas dos pacientes residem no relato por parte dos mesmos em ter dificuldade ou cansaço para mastigar, abrir a boca, observar desvios da mandíbula durante a abertura da boca e barulhos nas articulações temporomandibulares. O principal sintoma é a dor que com frequência atinge os músculos da mastigação e que também podem se irradiar para as orelhas, face, pescoço e cabeça.
Quais os casos mais comuns e frequentes?
Os casos mais comuns e frequentes ocorrem nos pacientes que se apresentam com estresse emocional aumentado, com sobreuso dos músculos da mastigação e posturas inadequadas da cabeça e pescoço, levando a contratura dos músculos ligados a coluna cervical. Deve-se sempre descartar a ocorrência de traumas na face. Comumente apresentam dor no segmento craniofacial e barulhos nas articulações temporomandibulares.
Quais são os métodos mais recentes para diagnóstico de DTM e como eles se comparam aos métodos tradicionais? Que recursos são utilizados?
Eu creio que o método mais importante para o diagnóstico do paciente é o clínico – nada o substitui. É muito importante o contato do profissional com o paciente para que se proceda a uma abrangente anamnese, a palpação dos músculos do sistema mastigatório e estruturas associadas, verificação dos movimentos mandibulares realizados pelo paciente, o nível de dor e limitação funcional que apresenta no momento da consulta. De extrema importância também a sua história pregressa em relação ao seu problema e os tratamentos realizados, caso já tenha feito algum, e os resultados obtidos. Recursos diagnósticos importantes chamados de exames complementares incluem análise eletromiográfica dos músculos mastigatórios, exame de imagens como radiografias, tomografias, imagem por ressonância magnética e ultrassonografia dos músculos e das glândulas salivares são por demais importantes – mas como sempre digo: o exame clínico é soberano.
A análise do movimento mandibular e da postura craniofacial pode contribuir para um diagnóstico mais preciso da DTM?
Sim. A análise dos movimentos mandibulares é muito importante para o diagnóstico das DTM pois podem nos mostrar disfunções nos músculos da mastigação e problemas internos nas articulações temporomandibulares, chamados de intracapsulares. Pacientes podem se apresentar no atendimento com pouca abertura de boca ou abertura excessiva da boca como ocorre nos casos de articulações hipermóveis, desvios e deflexões ao abrir a boca, dificuldades em realizar as movimentações da mandíbula para a direita ou para a esquerda, bem como dificuldade em realizar a protrusão da mandíbula.
A análise da postura craniofacial também é muito importante. As disfunções temporomandibulares podem estar associadas a posturas inadequadas da mandíbula em relação ao crânio, bem como o posicionamento do conjunto craniofacial em relação a coluna cervical. Essas condições se tornam fatores que aumentam o risco da mesma se estabelecer. As posturas inadequadas da coluna cervical muito contribuem para que as dores no ombro e na musculatura do pescoço irradiem para a cabeça e face afetando o complexo craniofacial.
Como o uso de tecnologias de inteligência artificial ou exames de imagem avançados está impactando o diagnóstico de DTM?
O uso de inteligência artificial (IA) apresenta resultados promissores para a detecção de DTM. Em casos de distúrbios musculares, a termografia infravermelha, por exemplo, vem apresentando resultados positivos por fornecer informações referentes a microcirculação local. A IA emerge como uma ferramenta promissora no campo da odontologia. Sua adesão é cada vez mais relevante em áreas como periodontia, dentística, prótese dentária, cirurgia oral e bucomaxilofacial, DTM e odontologia legal.
Os exames de imagens avançados impactaram de maneira positiva no diagnóstico das disfunções temporomandibulares. Exemplo disso são as tomografias computadorizadas tipo “cone-beam” que oferecem excelentes resultados quando se deseja avaliar as estruturas ósseas da articulação temporomandibular, mandíbula e maxila. De modo idêntico ocorreu com o advento e a utilização cada vez mais frequente da imagem por ressonância magnética das articulações temporomandibulares que são muito indicadas para avaliação dos tecidos moles da ATM, particularmente as disfunções dos discos articulares. Não posso deixar de citar o uso da imagem ultrassonográfica que devem ser indicadas para avaliações dos músculos mastigatórios, bem como na detecção de alterações nas glândulas salivares.
De uma maneira geral, como são tratados os casos de DTM ?
As terapias para as DTM devem ter abordagem multidisciplinar e transdisciplinar para que se obtenha bons resultados. A multidisciplinaridade envolve várias especialidades com terapias direcionadas aos distúrbios físicos e psicológicos, no intuito de reduzir ou eliminar os fatores que estão causando as disfunções. Normalmente os profissionais envolvidos, além do Cirurgião Dentista que deve ser o condutor do tratamento, são os fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos e os médicos que podem ser requisitados principalmente aos casos relacionados aos pacientes que apresentam problemas sistêmicos. O diálogo entre essas diferentes áreas do conhecimento é muito importante para o atendimento do paciente, nesse reside a transdisciplinaridade. A ideia é que os profissionais envolvidos vejam o paciente como um todo.
Quais avanços recentes nos tratamentos minimamente invasivos apresentam resultados promissores para pacientes com DTM?
Em relação ao tratamento das DTM a explicação e educação do paciente quanto ao seu problema é fundamental para o sucesso. Assim ele vai entender e colaborar para a resolução. O paciente precisa aderir ao tratamento. Dessa forma o profissional deve ter a habilidade e a capacidade de expor ao seu paciente o diagnóstico e as modalidades de tratamento. Como muitos sinais e sintomas nessas disfunções podem ser passageiros ao longo do tempo e autolimitantes, resolvendo-se sem que ocorram efeitos sérios, devem-se evitar as terapias agressivas e irreversíveis como mudanças na oclusão e cirurgias; as terapias devem ser conservadoras, ou seja, reversíveis.
Terapias conservadoras que devem ser preconizadas no início do tratamento incluem além da terapia odontológica, o automanejo por parte do paciente: não ficar apertando os dentes, manter a calma, não ficar mascando chicletes, evitar grandes aberturas da boca, não mastigar alimentos duros que promovam a dor são alguns exemplos. A modificação comportamental deve sempre ser estimulada, fisioterapia, fonoterapia (motricidade orofacial), acupuntura, aparelhos intraorais estabilizadores (placas), terapia farmacológica e bloqueio anestésico para o alívio da dor. A injeção de ácido hialurônico na ATM, procedimento chamado de viscossuplementação também é indicada para casos selecionados. O uso da cannabis medicinal emerge como uma alternativa para aliviar os sintomas associados as DTM. A planta tem a capacidade de atuar no controle da dor. Maiores investigações e evidências clínicas robustas ainda é necessário para a sua utilização, verificando-se bons resultados com a utilização de formulações tópicas.
Pós Pandemia, houve um aumento de casos?
O impacto da COVID-19 na esfera psicológica, tem sido estudada globalmente e estudos demonstraram o crescimento da ansiedade de moderada a severa. Problemas psicológicos envolvidos em situações estressantes tendem manter os músculos mais contraídos e criar e perpetuar distúrbios do sono. As DTM antes e pós pandemia, são as mesmas; o que ocorreu foi um aumento da ocorrência de sinais e sintomas. Ressalta-se a importância dos fatores psicológicos, tais como ansiedade e depressão que aumentaram com a pandemia, levando ao surgimento, manutenção ou agravamento das Disfunções Temporomandibulares (DTM), sobretudo nos pacientes que apresentam DTM muscular que em grande parte apresentam “dor” como queixa principal.
Quais são as novidades em terapias de reabilitação física, como fisioterapia manual ou eletroterapia e sua eficácia para pacientes com DTM?
A fisioterapia sempre atuou no atendimento dos pacientes com disfunções temporomandibulares oferecendo tratamentos voltados para a diminuição ou eliminação da dor e restabelecimento da função mastigatória. Os recursos sempre foram a aplicação de agentes físicos como calor úmido (calor superficial), ultrassom terapêutico (calor profundo) e em alguns casos a crioterapia. O uso da estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS), o laser terapêutico também são modalidades de eletroterapia utilizadas. Mas observa-se que a fisioterapia atualmente contribui de modo muito eficaz com as técnicas manuais através das massagens, exercícios de coordenação e alongamentos, bem como os exercícios e correção das alterações posturais, principalmente aquelas ligadas a coluna cervical. A acupuntura, modalidade terapêutica milenar utilizadas por médicos, cirurgiões-dentistas e fisioterapeutas é muito indicada para as DTM. Atualmente nota-se grande melhora dos pacientes com a utilização das terapias manuais de liberação miofascial dos músculos do sistema mastigatório e associados, e também a aplicação da técnica do agulhamento a seco ("dry needling") inativando os pontos-gatilho miofasciais que tem a capacidade de propagar a dor a distância (por espalhamento).
Vida moderna, sempre acelerada, muito estresse, como coibir o aumento de casos de DTM?
Através de informação, palestras, cursos para melhorar a qualificação dos profissionais e informar a população sobre a necessidade de controlar o estresse emocional, a ansiedade e não ficar apertando seus dentes. Ao início dos sinais e sintomas procurar o Cirurgião-Dentista o mais breve possível. É muito importante informar a população sobre o que é a DTM e que há relação positiva entre o aumento dessas disfunções com o aumento de estresse e ansiedade.
Os profissionais de Odontologia, de outras especialidades ou generalistas têm buscado se informar mais sobre a especialidade?
Os Odontologistas generalistas e os especialistas nas várias áreas da Odontologia tem se atentado mais às queixas dos pacientes em relação as disfunções temporomandibulares. Tenho notado que aumentou bastante a presença de colegas generalistas ou de outras especialidades em cursos de atualização ou aperfeiçoamento em DTM e Dor Orofacial. Isso é muito positivo. Se levarmos em consideração que a grande maioria dos casos podem ser bem resolvidos com tratamentos conservadores e simples, muitos colegas tem atuado nas fases iniciais da DTM. Mas observo que a maioria encaminha o paciente ao especialista na área da disfunção temporomandibular. Um dos grandes problemas é que muitos colegas tem dificuldades em realizar o diagnóstico das DTM e com isso não oferecem as corretas terapias para cada caso.
Publicado em 16/12/2024.
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