O Papel do Direito na Formação dos Cirurgiões - Dentistas

A odontologia é uma ciência em constante evolução que, cada vez mais, demanda uma prática que vai além da técnica. De acordo com o estudo acadêmico “Procedimentos odontológicos e processos judiciais: um panorama do Estado do Rio de Janeiro”, somente no estado, 415 profissionais dos 33.497 cadastrados no Conselho Regional de Odontologia estiveram envolvidos em processos entre 2015 e 2019.

O cenário atual exige que os dentistas estejam preparados para lidar com as complexidades éticas e jurídicas que envolvem a profissão. Nesse contexto, a integração do Direito à formação dos dentistas emerge como uma necessidade para garantir uma atuação segura e alinhada às demandas da sociedade.

Atualmente, as faculdades de odontologia abordam aspectos éticos e jurídicos por meio da disciplina de Odontologia Legal - uma especialidade que trata de temas como identificação humana e perícias judiciais. Embora importante, o escopo dessa matéria não contempla os desafios éticos-legais enfrentados na rotina clínica, como contratos, e a própria responsabilidade ética, civil e penal. Essa lacuna aponta para a necessidade de revisão do ensino jurídico na odontologia.

Uma solução seria ampliar o conteúdo programático da Odontologia Legal para incluir essas questões. Como alternativa, há também a possibilidade da criação de uma nova disciplina, o Direito Odontológico, que poderia contribuir com um enfoque exclusivo e aprofundado, abordando assuntos como regulamentação, gestão de riscos, publicidade ética, já abordada, mas desta vez, de forma mais incisiva, responsabilidade ética, civil e penal do profissional, entre outros temas. Ambos os caminhos têm o potencial de preparar os dentistas para as exigências do mercado contemporâneo.

Essa inclusão de conhecimentos jurídicos no ensino da odontologia não é apenas uma questão de prevenção de litígios, mas também de valorização. Pacientes estão cada vez mais conscientes dos respectivos direitos e exigem um atendimento que combine excelência técnica, transparência e conformidade legal. Sem essa preparação, os profissionais ficam vulneráveis a processos éticos e judiciais, e à ausência de confiabilidade.

A judicialização da saúde exige a compreensão de responsabilidades e uma atuação dentro dos limites legais. Essa realidade impacta diretamente a relação entre dentista e paciente, que é fortalecida ao destacar a segurança jurídica e a ética no atendimento. Um dentista preparado atrai clientes e, consequentemente, melhora a sua performance.

Isso representa, inclusive, um investimento no futuro do setor. Faculdades de odontologia que adotarem essa abordagem estarão contribuindo para a formação de profissionais mais completos, capazes de enfrentar desafios. Essa mudança, no entanto, exige um esforço conjunto entre educadores, conselhos e docentes jurídicos.

Ao unir técnica, ética e conhecimento jurídico, os formandos estarão mais bem equipados para atender às expectativas do mercado e promover uma prática odontológica que valorize o profissional e proteja o paciente. Essa evolução no ensino não é apenas desejável, e sim indispensável para o futuro. A complexidade da área, junto a uma dedicação integral dos dentistas, torna possível a construção de um setor mais robusto, que beneficia todas as partes envolvidas. 

*Ana Falcão Gierlich é advogada, membro da Comissão de Direito da Saúde da OAB SP, especialista em Direito Médico e Bioética pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar por meio da Escola Paulista de Direito e Mestranda em Direito Médico e Odontológico no São Leopoldo Mandic. 

Publicado em 28/02/2025.